Otimismo Realista
- gritaprojeto
- 15 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de jun. de 2022
Por Ju Romagnoli

"O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso."
Ariano Suassuna
Bastou um repost de postagem risível sobre frases positivas que não aguentamos mais para receber uma avalanche de comentários rechaçadores. Um deles me despertou a atenção: "O que é tóxico é ser negativo, Ju". Ora bolas, não me diga. Quanta obviedade nessa constatação. Quanta redundância! Se algo é negativo, a natureza disso, por si só, também o é. É diferente de ser um "positivo tóxico". Nessa conduta, há um contraste, meu Deus! Isso não é ineludível? A questão, portanto, passa por aí. Aquilo que deveria, em tese, ser bom não é. Aquilo que deveria ajudar, não ajuda, porque o que está por trás do otimismo que intoxica é a incapacidade de escuta real do outro, é a negação conveniente de dificuldades basilares.
Siga o fio: quem nunca passou por isto? A vida dando rasteiras em você, e o coleguinha do lado, só para se ver livre da tarefa de sair do entorno do próprio umbigo, solta um "no fim tudo dará certo", "já lidei com isso e não morri". Existe intenção de suporte nessas falas, concretamente? A pergunta é retórica. Não existe. Como eu, os críticos da toxicidade advinda do comportamento positivo não veem, certamente, problema na positividade, na gratidão, nas falas encorajadoras que motivam. Não é sobre isso o desagrado. Doses homeopáticas de alienação são válidas e podem ajudar a sobreviver, sim. A dissonância está em se valer, de forma embotada, desses recursos. Está em não refletir, gente! Quer dizer que, se eu for positiva, estarei livre de adoecer, de passar por percalços? De sofrer por eles? Ou eles ficarão mais leves com a mera mudança de "mindset"? Fale isso para o doente, para o desvalido, para o sujeito que perdeu tudo numa enchente, por exemplo. Estão vendo como esse otimismo irrefletido pode ser cruel?
A maior parte dos perrengues que enfrentamos tem origem em questões estruturais. Assim, ainda que lutemos para não nos abalarmos com as merdas que nos acontecem, elas nos afetarão, independentemente de querermos, ou não. E, quanto mais negarmos o mergulho necessário nesses períodos de escuridão, o automatismo positivo se consolida, de modo a afastar a possibilidade de existência com entendimento. Nesse sentido é que o "ser positivo a qualquer custo" é corrosivo. Ele demoniza o lúcido, ele oprime aquele que está em sofrimento, muitas vezes, porque, para expressiva parte da população, vibrar em alta frequência não é garantia de resolução de problemas.
Reforço, por fim, que é possível ter a positividade como norte, mas nunca como trajetória (ela será nublada) por razões elementares: coisas ruins acontecem o tempo todo, misturadas às circunstâncias boas. Num português claro, que nos seja permitido passar pelas situações e termos as nossas emoções validadas. Do contrário, o que nos restará, além de lidar com obstáculos, é a culpa, é a inadequação por não podermos sentir o que sentimos, é a pressão por não correspondermos, o tempo todo, ao que a sociedade do desempenho espera: óculos cor-de-rosa e flores na lama.
Eu quero mesmo é ser, como disse o poeta, uma realista com esperança.
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